Cessão de Controle Acionário para as concessões públicas

Entenda o atual posicionamento do Supremo e requisitos legais.
Marcelo Nogueira Mallen da Silva
Marcelo Nogueira Mallen da Silva
Consultor Jurídico e Professor-Tutor FGV

Síntese

O STF concluiu o debate da ADI nº 2.946/DF pela constitucionalidade do artigo 27 da Lei Geral das Concessões (Lei nº 8.987/1995), permitindo a transferência de titularidade do controle da concessionária exploradora de outorga de serviço público, prevendo algumas nuances no campo da responsabilização do agente público e do acionista controlador.

Talvez um dos maiores questionamentos esteja atrelado a hipótese do famoso “se”. Se a cessão do contrato já licitado/homologado imprime as mesmas características da outorga de concessão sem a nova instrução do devido processo licitatório. É o cerne desenhado nas próximas linhas.

Eficiências da Proposta mais Vantajosa

Em nosso sistema jurídico o que interessa à Administração Pública é, sobretudo, a seleção da proposta mais vantajosa independentemente da identidade do particular contratado ou dos atributos de que disponha.

Uma vez comprovada a capacidade de fazer cumprir as obrigações estipuladas no contrato administrativo, diga-se, capacidade aferida por critérios objetivos e predefinidos desde a publicação do edital, habilitações de candidatos ou desclassificações, seria irrelevante que a Administração tivesse preferência por esse ou aquele particular, em estrita obediência ao princípio norteador da impessoalidade.

Se a lei exigisse a retomada serviços pelo Poder Público para só então promover novos arranjos de licitação (dos quais não teria certeza se deserta ou fracassada), no equilíbrio de pesos e contrapesos tudo isso resultaria ao final na

  • (a) contrariedade do interesse público;
  • (b) demora para execução de políticas e responsabilização dos gestores;
  • (c) elevação dos custos e tarifas mais caras aos usuários; e, não menos importante
  • (d) a inviabilização da prestação satisfatória ou adequada.

Não raro, serve o alerta acerca do porte do acionista, que precisa deter garantias mínimas suficientes, quer dizer, patrimônio líquido considerável para ingresso de recursos a fim custear os investimentos necessários, sejam eles próprios ou de terceiros, na concessionária vencedora do leilão que exerce papel relevante para levar a bom termo o contrato de concessão, sob pena de, ocorrendo a notória insuficiência na qualificação econômica do pretendente cessionário, de largada, refletir indícios de irregularidades e a transferência de controle ser sumariamente rejeitada.

Nesse processo de comunicação, que se estabelece entre a mudança do controlador levaria a concessão a um novo patamar em termos de aporte de capital e de desembolsos financeiros. Seria inclusive temerário a troca de posição ante a indisponibilidade de recursos do controlador para repasse de recursos e das restrições pelas instituições financeiras para a liberação de empréstimos a qualquer concessionária sem respaldo financeiro do (grupo) controlador. Isso porque, as penalidades administrativas mais gravosas para o descumprimento do contrato de concessão alcançam o controlador da concessão, o qual poderá ficar impedido de licitar ou contratar com a Administração por determinado prazo. Além disso, ainda ficam sujeitos às consequências do vencimento antecipado do contrato (caducidade).

Aqui, será descartado o aprofundamento no dano aos cofres públicos provocado por empresas consorciadas, pois embora o consórcio não guarde personalidade jurídica seria responsável solidário pelos débitos contraídos por força de quaisquer inadimplências, enquanto a multa proporcional aos débitos seria individualizada, segundo o TCU no Acórdão 2.042/2022-Plenário.

Guardadas as devidas nuances e responsabilidades, a situação acolhe boas cautelas sem prejuízo dos interesses sociais, mantidas todas as condições preestabelecidas do instrumento convocatório em respeito aos princípios da motivação e razoabilidade, na medida em que exige uma relação entre os meios e os fins.

Externalidades Negativas. Será?!

Por externalidades (ou economias externas positivas ou negativas) estas correspondem “ao fato de que a ação de determinados agentes pode ter impactos sobre o resultado almejado por outros agentes[1].

As segundas (negativas), podem registrar falhas de mercado e predicam de uma intervenção regulatória corretiva, visto que distorcem, indevidamente, os interesses dos agentes econômicos. Esses traços iniciais também afetam o regime das concessões e, via de consequência, pode implicar na perda da “grande vantagem da concessão que constitui a própria justificativa para o seu surgimento: a de poder prestar serviços públicos sem necessitar investir grandes capitais do Estado[2].

É natural que existam pontos de maturação na escala evolutiva da exigência (ou não) de um novo processo seletivo entre setores empresariais e áreas do governo responsáveis pelas concessões.

Contudo, a questão está superada porque (a) para a tutela e máxima satisfação de valores constitucionais relevantes, como a eficiência, continuidade dos serviços públicos e proteção ao erário, a Administração Pública usufrui de mecanismos responsivos frente aos impasses da relicitação; (b) está presente a todo e a qualquer tempo o poder-dever da Administração no controle de juridicidade do ato de transferência assegurado pelos requisitos legais de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço, além do compromisso de cumprir todas as cláusulas do contrato vigente, sem os quais não se confirmará a anuência do Poder Público (Concedente).

Por isso, é preciso avaliar constantemente toda a arquitetura da matriz de risco e bem orientar aqueles interessados em participar das outorgas. Aqui, na qualidade de participantes o cessionário-sucessor dessa relação com o Concedente, inclusive para mitigar quaisquer penalidades fixadas tanto pelas autarquias no exercício das atividades normativas, executivas e judicantes quanto pelos órgãos de controle interno (CGU), externo (TCU), nos casos que envolvem serviços públicos federais, por exemplo.

Ou um cenário pior… na caducidade, e as repercussões daí decorrentes, custos de oportunidade na judicialização somadas muitas vezes às discussões arbitrais de natureza indenizatória por bens reversíveis não amortizados vs. descontos das inexecuções contratuais, entre outras possibilidades.

Essas previsões também decorreriam no caso concreto da ocorrência de fatos supervenientes que alterem a situação inicial da concessionária, pois não suprimidas do quadro de opções anteriormente listadas.

Considerações Finais

Técnica e acertada, portanto, a decisão comentada, na medida em que ressaltou os efeitos jurídicos da licitação, o zelo pela continuidade sem ofensa a princípios constitucionais correlatos, afastados os sinais de conluio ou a figura da cartelização para transmissão da posição contratual para a iniciativa privada (sucessores), preservando a segurança jurídica e estabilidade no mercado; pois os atos de reestruturação societária não implicam automaticamente em burla à licitação, seguem as peculiaridades dos contratos administrativos de natureza dinâmica que sofrem ajustes a fim de preservar a operação ao retorno qualitativo esperado na exploração dos serviços públicos concedidos.

Afinal, não se trata de subconcessão a ensejar a obrigatoriedade de licitação prévia, infrações ao dever de licitar (art. 175 da Constituição Federal) ou divergências ao regime jurídico específico (art. 26 da Lei Geral de Concessões).


[1]GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de; TONETO JR., Rudinei. Economia Brasileira. São Paulo: Atlas, 2002, p. 191.

[2]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 33. ed. atual. e rev., Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 628.

Sumário

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