Da inconstitucionalidade na pretensão da União Federal ao adicionar as subvenções (incentivos fiscais) às bases de cálculo do IRPJ e CSLL

Jessica Caiado
Jessica Caiado

O pacto federativo brasileiro, disposto no caput do art.1º da CF/88, consagra a autonomia político-financeira aos integrantes da Federação. Nesse sentido, é de rigor que União, Estados, Municípios e o Distrito Federal trabalhem de forma harmônica para atingir os objetivos comuns desenhados pela nossa Carta Magna.

inconstitucionalidade na pretensão da União Federal ao adicionar as subvenções (incentivos fiscais) às bases de cálculo do IRPJ e CSLL

Cumpre ressaltar que sob o afã da manutenção das obrigações constitucionais, o pacto federativo pressupõe que cada ente possua suas próprias competências tributárias, o que significa que nenhuma das pessoas jurídicas de direito público prescinde da autorização de outro ente federado para instituir seus tributos.

Destaca-se aqui que quando se fala em competência tributária não está a Constituição a dispor sobre capacidade tributária ativa, a qual seria a faculdade de arrecadação ou fiscalização de tributos conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outrem, com fulcro nos artigos 7º e 8º do Código Tributário Nacional.

Nesse sentido, queda-se clarividente a inconstitucionalidade na pretensão da União Federal ao adicionar as subvenções (incentivos fiscais) às bases de cálculo do IRPJ e CSLL, uma vez que ao assim fazer está a UNIÃO interferindo fortemente na política fiscal adotada pelo Estado. Consequentemente, em latente violação ao pacto federativo, por consequência lógica, a competência tributária.

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Da inconstitucionalidade na pretensão da União Federal ao adicionar as subvenções às bases de cálculo do IRPJ e CSLL

Antes, de adentrar na tributação do IRPJ e da CSLL sobre os incentivos fiscais. Cabe trazer à baila exemplos de incentivos fiscais de ICMS: redução de base de cálculo, isenção, créditos presumidos, etc.

Explica-se, a exigência de IRPJ e CSLL sobre benesses fiscais estaduais perfaz-se como verdadeiro contrassenso por parte da União, uma vez que está a União a não só ultrajar o pacto federativo, como a cobrar receita que não é receita oriunda da atividade empresarial, ou seja, não dialoga com o fato gerador dos supracitados tributos.

Em verdade, a União Federal ao tributar para fins de IRPJ e CSLL as benesses fiscais concedidas pelos Estados está usurpando a competência estatal, em que pese a rígida divisão de competências descrita no texto constitucional.

Ademais, a tributação de benesses fiscais para fins de IRPJ e CSLL impede que os objetivos almejados pelo Estado ao instituir determinados incentivos fiscais sejam alcançados, uma vez que a desoneração por parte do ente estatal será tributada pela União. Desta feita, revela-se evidente o ultraje ao pacto federativo. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Embargos de Divergência nº 1.517.492/ PR, asseverou:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA – IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO – CSLL. INVIABILIDADE. PRETENSÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA. BASE DE CÁLCULO. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO  FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA  DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE.

X – O juízo de validade quanto ao exercício da competência tributária há de ser implementado em comunhão com os objetivos da Federação, insculpidos no art. 3º da Constituição da República, dentre os quais se destaca a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III), finalidade da desoneração em tela, ao permitir o barateamento de itens alimentícios de primeira necessidade e dos seus ingredientes, reverenciando o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da República Federativa brasileira (art. 1º, III, C.R.).

XI – Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos-constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo, e em atrito com o princípio da subsidiariedade, que reveste e protege a autonomia dos entes federados.

Insta salientar que, de acordo com o acórdão dos Embargos de Divergência nº 1.517.492/ PR, a União Federal ao tributar as subvenções para fins de IRPJ e CSLL viola não somente o pacto federativo, mas também a Imunidade Recíproca, disposta no art. 150, VI, “a” da CF/88.

Destarte, é vedado a União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Nesse sentido, não pode a União tributar as subvenções que seriam receita estatal, pois queda-se flagrante afronta à Imunidade Recíproca.

Como já asseverado, outro ponto que merece destaque é que se a União tributar benesses estatais, esta não estaria tributando o conceito de receita insculpido pelo RE 574.706. O conceito de receita dissertado no aludido Recurso Extraordinário reflete que é receita aquele montante oriundo das atividades desenvolvidas pela atividade empresarial. Sendo assim, o próprio fato gerador relacionado a base de cálculo do IRPJ/CSLL incorreria em inconstitucionalidade.

Pois bem. Embora o Parecer Normativo (PN) CST nº 112/1978 disserte que as subvenções para custeio seriam aquelas destinadas a suprir as despesas correntes das empresas e manter suas operações e as subvenções para investimento são aquelas que se destinam a estimular a implantação ou a expansão de empreendimentos econômicos, não há que se perquirir sobre a natureza da subvenção, seja ela subvenção de investimento ou de custeio.

Deveras, tanto a subvenção de custeio como a subvenção de investimento são renúncias estatais e não devem ser tributadas pelo IRPJ e CSLL, sob pena de ferir o pacto federativo, a imunidade recíproca e o próprio conceito de receita.

Em verdade, este entendimento não está só pacificado jurisprudencialmente, a Lei Complementar nº 160 trouxe o captut do artigo 30 dizendo que toda subvenção é subvenção de investimento, desde que atenda aos requisitos contábeis e societários, referentes à disposição em reserva de lucro, a fim de que esta seja utilizada para absorção de prejuízo fiscal ou para aumento de capital social.

Inclusive a própria Receita Federal do Brasil já vem reconhecendo o aludido entendimento:

SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 11, DE 04 DE MARÇO DE 2020

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

LUCRO REAL. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. BENEFÍCIOS VINCULADOS AO ICMS.

As subvenções para investimento podem, observadas as condições impostas por lei, deixar de ser computadas na determinação do lucro real. A partir do advento da Lei Complementar nº 160, de 2017, consideram-se como subvenções para investimento os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS concedidos por estados e Distrito Federal.

Dispositivos Legais: Lei nº 12.973, de 2014, art. 30; Lei Complementar nº 160, de 2017, arts. 9º e 10; Parecer Normativo Cosit nº 112, de 1978; IN RFB nº 1.700, de 2017, art. 198, § 7º.

Sendo assim, tampouco importa a classificação jurídica-contábil, subvenção tanto no entendimento da Receita Federal do Brasil quanto no entendimento jurisprudencial, esta, pois, não deve compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, uma vez que estaríamos em latente violação ao pacto federativo, a imunidade recíproca e ao conceito de receita.

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