Responsabilidade Civil no Direito brasileiro

Qual a diferença entre a responsabilidade civil “clássica” e “consumerista”? Entenda mais sobre o tema e potencialize sua atuação profissional na área.
Ana Catarina Alencar
Ana Catarina Alencar
Advogada | Especialista em Direito Digital e Compliance | Coordenadora da Revista Eletrônica da OAB/Joinville | Professora | Mestre em Filosofia e Teoria do Direito | Especialista em Inteligência Artificial e Direito

O que é a teoria da responsabilidade civil? Quais seus principais requisitos e nuances? Qual a diferença entre a responsabilidade civil “clássica” e “consumerista”? Entenda mais sobre o tema e potencialize sua atuação profissional na área.

responsabilidade civil

Importância da Responsabilidade Civil 

Como todos sabemos, ninguém pode deixar de cumprir a lei alegando que a desconhece, uma vez que essa obrigação possui aplicabilidade geral. Por isso, é importante que os indivíduos, empresas e profissionais liberais compreendam as responsabilidades civis às quais estão submetidos na legislação.

Ainda mais importante do que isso, é o manejo adequado deste conhecimento pelos profissionais do Direito durante a análise de (i) novos produtos e serviços inseridos no mercado, (ii) demandas contratuais e (iii) reclamações de clientes e consumidores. 

Tendo em vista que essas questões integram o dia a dia da maior parte dos profissionais do Direito, trataremos de suas principais nuances sob a ótica do Direito Civil e, também, do Direito do Consumidor.  

Leia também:

Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva: você conhece as diferenças?

“Culpa” e “Dano” no Direito Civil

De acordo com a teoria da responsabilidade civil clássica no Direito brasileiro, quando um determinado indivíduo causa dano a outra pessoa, por sua culpa, fica obrigado a indenizá-la. 

Assim, para a responsabilização em termos civis é necessário que se comprove a existência de alguns requisitos principais, sendo: (i) a conduta (ação ou omissão), (ii) a culpa (comportamento negligente, imprudente ou imperito), (iii) o dano (prejuízo efetivamente causado na esfera material ou moral) e (iv) o nexo causal (relação de causa e efeito entre a conduta praticada e seu resultado).  

Assim, apenas restará configurado o dever de indenizar, caso efetivamente comprovados os requisitos mencionados, com especial atenção para a existência do dano. Isso porque, sem o prejuízo (dano) causado à outra parte, não há dever de indenizar, conforme pontua a doutrina:

Voltando ao sistema nacional, a menção ao dano como pressuposto para a responsabilidade civil consta do caput do art. 927 do Código Civil brasileiro […]. Em outras palavras, somente haverá direito à indenização e o correspondente dever de reparar, se esse elemento objetivo estiver presente. Em síntese ainda maior, sem a presença do dano, não há que reconhecer a responsabilidade civil da parte.(grifos nossos).

A noção de culpa, por sua vez, prevista no Código Civil abarca três possibilidades que deverão estar presentes no caso concreto, sendo “negligência, imprudência ou imperícia”:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

[…]

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. (grifos nossos).

Podemos sintetizar esses conceitos da seguinte forma: (i) negligência é a qualidade daquele que age sem o cuidado e atenção devidos; (ii) imprudência é o comportamento de caráter precipitado ou arriscado e, (iii) imperícia é a atuação sem o conhecimento, aptidão ou habilidades técnicas necessárias. 

Essa responsabilização poderá se dar em uma relação envolvendo empresas, profissionais liberais ou “particulares”, isto é, em relações “puramente civis”, nas quais os contratantes não sejam considerados “consumidores”.

Exemplo clássico dessa espécie de responsabilização também denominada “subjetiva” no Direito brasileiro, é a situação na qual um condutor desatento provoca colisão com um veículo de terceiro. 

No caso em tela, além de configurada a conduta negligente pela desatenção do motorista, há nexo de causalidade, isto é, causa e efeito entre a conduta e o prejuízo causado ao outro condutor. Em conclusão evidente, aplica-se o dever de indenizar na medida da extensão do dano. 

Ainda na esteira da responsabilidade civil clássica ou subjetiva, podemos citar os exemplos de profissionais liberais como médicos, dentistas e advogados que, em regra, serão responsáveis pelos danos que causarem de modo subjetivo, ou seja, desde que demonstrada a ação ou omissão, a culpa, o nexo de causalidade e o dano. Assim, o profissional que presta serviço insuficiente ou defeituoso poderá responder na medida do dano causado. 

Não apenas estes profissionais estão sujeitos a esta modalidade de responsabilidade, como também as empresas que forneçam produtos ou serviços com outras empresas em condição de paridade dentro de uma relação comercial puramente civil. Nesses casos, se a ação ou omissão da empresa acarretar em danos à outra pessoa jurídica haverá o dever de indenizar com apuração dos prejuízos em sede judicial. 

Importante destacar que, no caso das empresas, temos também a possibilidade de aplicação da responsabilidade civil contratual, na qual o contrato firmado entre as partes e, suas eventuais penalidades, deverá ser observado para atribuir a responsabilização devida por inadimplemento contratual.

Equiparação de Empresas a “Consumidores” 

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

 § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifos nossos).

Em regra, haverá a aplicação do CDC nas relações que envolvam o fornecimento de produto ou serviço para um consumidor final, isto é, para uma pessoa física ou jurídica que se utilize destes sem a finalidade de inseri-los em sua cadeia produtiva com o objetivo de produzir lucro. Neste sentido, o consumidor final é caracterizado como aquele que:

[…] retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem, incluindo o serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço de construção, nos seus cálculos do preço, como insumo da sua produção. (grifos nossos).

Entretanto, o conceito de “consumidor final” foi relativizado pela jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especialmente, a partir de 2016, possibilitando algumas exceções nas quais pessoas jurídicas são equiparadas a consumidores. Isso quer dizer que, em alguns casos, empresas que se utilizem de produtos ou serviços que integram sua cadeia de negócios serão consideradas consumidoras e, portanto, beneficiadas pelas normas do CDC.

Segundo dispõe a “teoria finalista mitigada ou aprofundada” do STJ, isso ocorrerá sempre que verificada a vulnerabilidade técnica, jurídica, econômica ou informacional da empresa adquirente dos produtos ou serviços no caso concreto. 

Logo, ainda que a relação seja estabelecida entre duas empresas, poderá ocorrer que uma delas seja caracterizada como “consumidora”, pois se encontra em posição de desvantagem na contratação do produto ou serviço, seja do ponto de vista técnico, informacional, jurídico, etc. 

Como exemplos, podemos citar empresas que contratam serviços tecnológicos sem a necessária compreensão técnica específica sobre o objeto contratado vindo a enfrentar problemas posteriores. Considerando a posição de “desvantagem” técnica e informacional da empresa neste caso, poderá ocorrer sua equiparação como consumidora. O mesmo ocorre na maioria dos casos envolvendo empresas que contratam serviços bancários perante grandes instituições financeiras vindo a alegar posteriormente que são consumidoras devido a hipossuficiência jurídica, econômica e informacional. 

Reponsabilidade Civil clássica vs. Responsabilidade Civil consumerista

Dito isto, além da responsabilidade civil clássica ou subjetiva já prevista no Direito Civil, é importante que o profissional do Direito se atente também para a responsabilidade prevista no Direito do Consumidor, já que esta poderá se aplicar ainda que a relação seja estabelecida entre duas pessoas jurídicas. 

Nesta última hipótese, conforme previsto nos artigos 12 a 14 do CDC, a responsabilidade da empresa fornecedora de produto ou serviço contendo “vícios” será objetiva, ou seja, não haverá a necessidade de comprovar a “culpa” (negligência, imprudência ou imperícia), pois a responsabilidade se aplica uma vez caracterizado o dano. 

Assim, enquanto na responsabilidade civil clássica a “culpa” do fornecedor deverá ser comprovada, na responsabilidade prevista pelo CDC não há essa necessidade, aplicando-se a responsabilidade “automaticamente”, tão logo verificado o dano ao consumidor.

Além disso, considerando que o consumidor é considerado parte vulnerável na relação jurídica, é dever do prestador de serviços provar que não contribui para dano causado, mas, que se trata de fato atribuível ao próprio consumidor ou cliente, por exemplo, conforme previsto no artigo 14, §3º do CDC.

É imprescindível que o profissional do Direito analise esses aspectos da responsabilidade civil com atenção, tendo em vista que caso o Direito do Consumidor se aplique ao caso haverá uma menor margem de liberdade para dispor sobre as cláusulas contratuais do serviço. 

Neste sentido, eventuais isenções de responsabilidade previstas em contrato podem ser questionadas judicialmente, levando a declaração de nulidade de cláusulas consideradas “abusivas” pelo Poder Judiciário. 

Em conclusão, diferentemente do que ocorre na responsabilidade civil clássica, as normas consumeristas possuem caráter mais restritivo e protetivo sobre a liberdade de contratar no mercado, partindo sempre da premissa de que há uma relação de assimetria entre as partes, na qual uma delas se encontra em posição de vulnerabilidade. 

Nestes casos, a relação jurídica não será “puramente civil” e subjetiva, mas, sim, objetiva e regulada pelas normas consumeristas aplicáveis.

Fontes: 

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª Ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2006.

TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil – Vol. Único. São Paulo: Método, 2018.

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